De 1991 a 2010, um esquema ofensivo de jogo completamente ímpar e único tomou conta da NBA e instaurou uma dinastia só antes vista nos anos 60, com Bill Russell e companhia. É possível que o leitor já saiba sobre o que o texto vai se tratar (aliás, se você leu o texto já sabia): o triângulo. Foram 11 títulos e mais duas finais em apenas 19 anos. De Michael Jordan a Kobe Bryant, passando por Shaquille O’Neal a Scottie Pippen e Pau Gasol, Phil Jackson venceu. E como. O sistema criado por Sam Barry, técnico da Universidade de Southern California, foi passado por Tex Winter, esse sim mundialmente conhecido como inventor, até chegar às mãos do Mestre Zen. Dividirei o texto em três etapas: História, Objetivo e Jogadas, cada uma com sua devida importância. Sem mais delongas: História Como já é sabido, Sam Barry, que treinou os Trojans (não é o malware) de 1929 a 1941, e de novo entre 1945 e 1950, foi o pai do triângulo. O que poucos sabem é que apenas em 1946 a ideia chegou a Tex Winter, que dizem ter ficado tão fascinado ao ponto de requintar ao máximo o sistema. Com apenas 25 anos, o gênio já era assistente em Kansas State, e aos 30, tornou-se o técnico mais novo da história do basquete colegial à época. Foi na Universidade de Marquette que Winter começou a pôr em prática seus pensamentos em um curto período de dois anos. Winter depois voltou para Kansas State, bateu inúmeros recordes e continuou perambulando e vencendo (passou até pelo Houston Rockets) até o ano de 1985, quando foi convidado para ser assistente técnico do Chicago Bulls, ainda sem Phil. Aqui, a NBA tomou novos rumos: em uma simples aquisição de um assistente, o Bulls saiu de inexpressivo a gigante. Objetivo “Como assim objetivo? Todo e qualquer esquema ofensivo no basquetebol tem o intuito de pôr a bola na cesta”. É verdade, sabichão. Entretanto, todos têm pensamentos diferentes sobre como fazer. O triângulo, por exemplo, acredita em uma combinação de espaçamento com séries de ações baseadas sobretudo em leituras feitas pelos próprios jogadores. É por isso que é tão necessário atletas com QI de basquete acima da média. O sistema gera inúmeras opções de jogadas, e se lidas corretamente pelo ataque, as torna mortais. Primeiro, é essencial saber o que é preciso para executar o esquema. Lembra do Art Attack? Então, irei imitar o programa e lhe darei o passo a passo do que é preciso. Veja: 1- Dar liberdade aos seus comandados: Diferente da maioria dos sistemas do basquetebol, o triângulo oferece bastante soberania aos jogadores. É óbvio que há jogadas desenhadas pelo técnico onde o time apenas segue ordens. Mas o pilar é a liberdade aos atletas. 2- Jogadores bastante inteligentes que saibam ler defesas: Esse é o principal. Como o estilo cede autonomia aos jogadores para tomarem decisões com base no que o adversário propõe, seus atletas precisam fazer leituras corretas e de forma rápida. Sem isso o triângulo não flui. Por isso treinadores de High School evitam o sistema. 3- Atletas completos que realizem diversas funções: Aqui o Positionless Basketball fala mais alto: todos os seus jogadores devem estar prontos para fazer o que for pedido, seja armar a fazer o poste baixo, tudo isso em alto nível. Se seu time é versátil, o triângulo pode ter muito sucesso. 4- Envolver todos em quadra: Esconder um jogador mais fraco é até possível, mas prejudica bastante a fluência do triângulo. Do armador ao pivô (e isso não faz tanta diferença, como visto), todos participam de forma significativa no jogo, e todos precisam fazer a mesma leitura para a jogada ter êxito. Agora que você conhece os princípios fundamentais do triângulo, é hora de ver na prática como ele funciona. Primeiro, memorize os nomes que Winter inventou para denominar cada jogador na imagem abaixo. Lembre-se: o 5 pode muito bem ser o armador, como o 4 pode ser o ala e por aí vai. Tudo isso é opção do técnico (ou dos jogadores). Positionless Basketball começa já no posicionamento dos atletas. As posições são essas: 1- Corner: Essa é fácil: o Corner fica na zona morta, mas nunca no weak-side. Os únicos requisitos são chutar bem do local e saber a hora certa de fazer os cuts. 2- Trigger: Talvez a função mais importante junto do Post: ele deve fazer a leitura defensiva e escolher para quem passar a bola. De sua escolha saem as jogadas. 3- Trail: Esse aqui só precisa ficar no meio da tábua ofensiva, acertar chutes do perímetro e ser eficiente quando sair do local. Claro, mantendo o espaçamento necessário com o Trigger. 4- Opposite: o jogador encarregado da função deve ficar razoavelmente distante do Post e se posicionar no weak-side. Geralmente os times colocam o pivô mais fraco da equipe na função, mas não é regra. 5- Post: Aqui, o coração do esquema: o Post se posiciona sempre junto ao Trigger e ao Corner, e além de conseguir ações de costas para a cesta, deve saber passar a bola no momento certo. Sem um jogador de qualidade na função, fica difícil executar o sistema. Antes de começar com as jogadas, é preciso dar uma pincelada em uma última coisa: Deployment Line e suas opções. Pra quem não sabe, essa linha imaginária se origina do alinhamento entre o Trigger, o Post e o aro. Dela, o Post pode fazer dois movimentos, dependendo de como seu defensor se alinha: Essa “tática” existe para caso o defensor de Post tente impedir que ele encoste com a bola. Com bons passes, geralmente uma bandeja livre aparece. Veja também como os outros jogadores devem fazer a leitura certa, a fim de fazer a bola chegar no Post. Entendeu o porquê de todos os jogadores precisarem de um QI alto? Agora que você entende o objetivo do esquema está preparado para conhecer algumas graçolas dele. Hora do show. JOGADAS É aqui que a brincadeira começa. Apesar de confiar bastante na qualidade dos jogadores, é óbvio que um esquema tão absurdo teria jogadas desenhadas pelos treinadores, né? Eu separei algumas que acho muito eficientes para mostrar no texto, então vamos lá: 1- UCLA Cut Essa jogada tem início antes mesmo do Corner (com a bola, por isso está circulado) se posicionar, com o Post saindo lá do poste baixo para realizar um Back-Screen no Corner, que passa a bola para o Trigger, e, se possível, recebe de novo a bola para uma bandeja sem marcação. Caso o passe não esteja disponível, ele volta ao seu local e o Post retorna para fazer o alinhamento, como visto na segunda imagem. Esse é um tipo de Entry Play, uma jogada que começa antes do posicionamento desejado. Muito interessante. 2- Corner Option Essa jogada começa com o Trigger passando a bola para o Corner e recebendo um back-screen do Post. Caso o passe seja possível, um caminho livre para a cesta aparece. Se a defesa não morder a isca, Trigger faz todo o caminho até a zona morta oposta, enquanto Post e Corner participam de um simples Pick and Roll, que o deixa com três opções: atacar a cesta e passar para ou Opposite ou Trigger. Quatro alternativas em apenas questões de segundos. Tá bom? 3- Opposite Option E se em vez de passar a bola para o Trigger, o Trail resolvesse inovar e começar o ataque no Weak-Side? Uma opção é essa jogada. E não se preocupe com os rabiscos da segunda imagem, eu detalharei. A jogada começa com o Trail passando a bola para o Opposite, e enquanto o Corner recebe um Back-Screen do Trigger, o Trail realiza um corta-luz para o Opposite, que quando parte para dentro se vê com três opções: terminar a jogada com uma bandeja ou enterrada, tentar um passe para o Post caso seja possível ou tocar para o Corner, que com o corta-luz do Trigger está livre no perímetro. Das jogadas que eu conheço, em minha opinião, é a melhor. 4- Corner Curl A Corner Curl tem esse nome por causa do movimento do Corner: caso não saiba o que é um curl, deixei um link no nome. Enquanto o Trail se movimenta para o weak-side, o Corner faz o Curl nos corta-luzes de Trigger e Opposite. Se o passe estiver disponível, Trail executa e Corner realiza uma simples bandeja. Se não, Corner se dirige à outra zona morta e o Opposite ao poste baixo. Percebeu o triângulo sendo formado no lado esquerdo da tábua ofensiva, com apenas o Corner em sua verdadeira posição? Positionless Basketball, meus caros. 5- High-Post Handoff Por fim, a High-Post Handoff. Esta é outra jogada com várias opções, o que torna impossível para os defensores adivinharem o que está sendo feito. Trail passa para Opposite e faz o Cut ao redor dele em busca da devolução da bola e uma simples bandeja. Caso não seja possível, dirige-se à zona morta, um sinal para o Trigger iniciar a segunda opção: um screen para o Corner, que corta para o perímetro em busca do Handoff do Opposite. Efetuado o Handoff, repara-se com três possibilidades: definir a bandeja ele mesmo, passar a bola para o Post ou, caso o marcador do Trail (agora Corner) tente ajudar, abrir no perímetro para um arremesso sem contestação. Como parar uma jogada com tantas escolhas se bem efetuada?
Acho que já deu pra entender o porquê do sistema ser tão bem-sucedido, certo? Além de obrigar que seus atletas deem o máximo de sua capacidade mental, o triângulo conta com infinitas opções e alternativas em resposta a esforços defensivos. Se bem treinado, é basicamente impossível impedir uma cesta. Apesar de ser surrado pela nova geração da NBA, o esquema é de fato bastante moderno, e, com uma ou outra mudança (por exemplo, o uso mais frequente de jogadas para três pontos), poderia com certeza ser praticado nos dias de hoje. Sam Barry, Tex Winter e Phil Jackson não passaram anos cada um aperfeiçoando o triângulo para ser subitamente tão desprezível assim. Chega-se ao fim o texto, e também o ano de 2017. Mas acredite, eu não abordei 20% do assunto, mesmo com mais de 1700 palavras. O triângulo é foda demais para ser explicado em um mísero escrito de um blogue brasileiro. Ah, um segredo: ele está bem vivo, e sendo usado (se não constantemente, casualmente) pela maioria das franquias. Mas não conta pro teu colega moderno, ele não pode saber. Agora você conhece os princípios básicos do maior esquema de jogo da história do basquete, e poderá assistir com os próprios olhos conceitos sendo aplicados em quadra. Aprecie.
Comentários
Existe algo mais doentio que perder e sorrir? Relativizar derrotas, comemorar incessantemente vitórias que não nos levarão a lugar nenhum? Fazer contas no meio da rua, animar-se sem motivo sobre um placar adverso, mas não tão adverso assim? Pois esta é a realidade dos torcedores do Los Angeles Lakers no ano 2017. Mais precisamente, na parte final do ano. Ainda perdemos muito, é verdade. Mas para os grandes da Liga. Isso quando perdemos (Houston, temos um problema)... Se a temporada não é perfeita para alguns, é acima da média para todos. Está sendo divertido assistir o Lakers jogar. E eu não faço a mínima noção da última vez que disse isso.
Foram três jogos contra o Golden State Warriors, atual campeão e possível melhor time da história: dois em L.A., um em Oakland. Nos dois em casa, levamos o jogo para a prorrogação. No último, mesmo perdendo por 20 pontos no meio do terceiro quarto, reagimos e viramos, deixando a partida em aberto até os dois minutos finais, onde uma sequência de posses mal desenhadas e escolhas de arremessos questionáveis nos tirou a vitória. Contra Cleveland, o mesmo roteiro. Aliás, a única vez em que a equipe raciocinou no Crunch Time saiu vitoriosa. Nesta véspera da véspera de Natal, percebam a equipe competitiva que teremos em mãos. Lonzo Ball, Brandon Ingram, Kyle Kuzma, todos ao menos até 2020 ou 2021 com salários baixos. Talvez Clarkson, talvez Randle. Talvez até sem Luol Deng nos atrapalhando. Espaço para um ou dois contratos máximos, e pronto: a receita do sucesso está aqui, conosco. Enquanto a agência livre não chega, continuar com a temporada agradável até o momento é fundamental. Enquanto não virarmos o Lakers, precisamos ser uma franquia mediana. E estamos sendo. E o que isso prova? Que duas coisas nos mantém longe de competir em alto nível por uma vaguinha nos Playoffs: um técnico capaz de fazer as escolhas certas quando preciso (Luke ainda precisa de experiência no quesito), e um jogador que chame a responsa e coloque a bola debaixo dos braços (LeBron, estou falando com e sobre você). Lonzo, Ingram e Kuzma são incríveis, mas pedir que eles façam esse papel é algo fora da realidade, até pela idade dos três. Mas estamos melhorando. É notável uma evolução desta para a última temporada, ainda que pouca. Na missão de ser atraente, o Lakers está sendo. Vamos ver o quanto estamos sendo no início de Julho. Era óbvio que não iria pegar no pé de ninguém aqui. Um dos dias mais felizes (apenas para quem não come uva-passa) do ano está chegando, então perder a cabeça com o Lakers não é o ideal. Vamos focar apenas nas coisas boas neste fim de ano: Ingram evoluindo, Ball se soltando, Kuzma destruindo, Randle e Clarkson vindo do banco e trazendo energia, Josh Hart defendendo igual gente grande e Thomas Bryant acabando com a G-League. Se não for o suficiente, tente olhar para trás. Você tem 16 motivos para isso. Coma muita rabanada, e não perca o jogo de Natal contra o Minnesota Timberwolves. Ah, no meio desse tempo tem um jogo contra o Blazers. Vamos com tudo! É o Lakers! No dia 18, no Staples Center, algo mágico irá acontecer. Não é nenhuma surpresa. Não é algo que ninguém não esperava. O que irá acontecer já estava na cabeça de todos os torcedores do Lakers, não só do Lakers, mas de toda a NBA. Porém, mesmo não sendo uma surpresa, a aposentadoria das duas camisas que Kobe Bryant utilizou irá emocionar todos os fãs do basquete.
Kobe era marrento. Pulou a universidade, veio direto do Ensino Médio e falou que só jogava no Lakers. Obrigado, Deus. De verdade. Dito e feito. O Lakers trocou pelo jogador. O resto da história todo mundo conhece, mas não custa nada dar uma relembrada e lembrar que Kobe Bryant sozinho tem mais história que boa parte de todos os times da NBA. Foram 5 títulos da NBA, inúmeros recordes quebrados e por 20 anos, VINTE ANOS, VINTE ANOS, Kobe honrou, sangrou, sorriu e chorou pelo Lakers. Nós, torcedores do Lakers, mais do que qualquer amante do basquete, precisamos agradecer e reconhecer o que esse homem representou para nós. Era sinônimo de sucesso, sinônimo de vitória, dedicação, força, poder. Kobe respirava o Lakers e o Lakers é destinado a grandes estrelas. Kobe só poderia ter jogado pelo Lakers. Estava escrito. Tinha que acontecer. Escrever sobre a passagem de Kobe Bryant no Lakers é muito mais difícil do que parece. Não sei se conto daquele jogo contra o Toronto Raptors e aí vem a pergunta: Qual? O de 81 pontos? O dos 3 arremessos seguidos de 3 pontos que levou o jogo para a prorrogação? Começo a lembrar do footwork de Kobe e então mais de 1000 jogados começam a aparecer na minha mente. Kobe levou o jogo de basquete a um nível extraordinariamente alto e lindo. Jogava como um maestro rege uma orquestra. Jogava como um general guia seu exército para a batalha mais gloriosa e árdua. Jogava como um piloto, com todo cuidado, levava seu carro até o máximo, mas chegava no destino que todo esperavam. A partir do dia 18 de Dezembro de 2017, a camisa número 8 e número 24 estarão lá no alto do Staples Center. Com a presença magnífica de Chamberlain, Shaq, Magic, Kareem, Worthy, Baylor, Mikan e muitos outros. Você conseguiu, Kobe. Você chegou lá. No patamar mais alto do basquete, onde só os diferenciados e únicos chegaram. Você fez tudo da maneira certa e a única franquia do planeta que poderia proporcionar isso para você era o Lakers. E agora você estará lá, seu espírito estará lá. Guiando o Lakers todos os dias até a vitória. Precisamos seguir seus passos. Respirar e viver o Lakers. Essa homenagem com as camisas aposentadas não é nada perto do que você fez pelo Lakers. Obrigado, Kobe. |